Após duas sessões calcadas de forma muito direta ao nosso mundo social, com filmes que respondem, cada qual à sua maneira, à materialidade da vida presente, por que não fabular um pouco? Não para esquecermos ou deixarmos de lado as lutas e os desafios impostos pelo constante colapso de nossa realidade, muito pelo contrário. Mas, sim, para juntas e juntos nos inspirarmos com a liberdade narrativa das obras programadas a fim de criarmos futuros possíveis de existência. Por isso, a terceira sessão desta temporada do Cineclube Mocambo, que realiza um diálogo com correntes afrossurreais e afrofuturistas na arte, representa também uma tentativa de projetar possibilidades de vida e resistência no presente, exibindo quatro curtas brasileiros e internacionais que, simultaneamente, miram diferentes espacialidades e temporalidades no contar de suas histórias. A sessão começa na favela da Maré, Rio de Janeiro, acompanhando três cavaleiros na busca por Vermelhinho, um cavalo perdido. Jorge não empunha uma lança no filme homônimo dirigido por Jéferson (Brasil, 2018), mas, junto a seus amigos, cartografa a periferia enquanto transforma aquele cenário de desigualdade e opressão em espaço onde, na simplicidade do cotidiano, simplesmente pulsa vida. A programação dá um salto para Guadalupe para então acompanhar uma mulher no caminho para encontrar seu pai. Em Fouyé Zétwal (Arando as estrelas), de 2020, Wally Fall nos apresenta as memórias e os sonhos fragmentados que contam as violências da colonização de um país, mesclando poesia e cinema experimental para demarcar uma denúncia que atravessa subjetividades e tempos. Com Preces Precipitadas de Um Lugar Sagrado que Não Existe Mais, filme brasileiro de Rafael Luan e Mike Dutra (2020), somos convidados a contemplar o “e se”. E se fosse possível mudar a história? E se conhecêssemos o que o futuro nos reserva? E se então não gostássemos do que víssemos? Nessa fenda localizada entre passado, presente e futuro, viajantes de tempos traçam planos que podem se consumir em vingança e reparação, mas também constroem um amanhã onde a presença, a glória e a festa se tornam palpáveis. Octavia’s Visions (Alemanha, 2021), por fim, filme de Zara Zandieh, abre nova fenda para encerrar a sessão, ao seguir o legado daquela que é mensageira de futuro por excelência: a escritora estadunidense Octavia Butler, grande dama da ficção científica. No curta, Zara e sua equipe, inspiradas pelas parábolas de Butler (no Brasil, publicadas pela editora Morro Branco como ‘A Parábola do Semeador’ e ‘A Parábola dos Talentos’), articulam uma forte mensagem contra a degradação ambiental e o radicalismo da extrema direita ao redor do mundo, propondo o exercício da libertação social protagonizada por pessoas pretas, dissidentes, revolucionárias. Para comentar os filmes em exibição, teremos, nesta sessão, duas conversas! A primeira será realizada no dia 26 de novembro, sexta-feira, às 18h, pelo perfil do Cineclube Mocambo no Instagram. Por lá, vamos bater um papo com a atriz Sandra Bello que, além de ter interpretado uma das Octavias do curta de Zara Zandieh, é militante, curadora e coordenadora do QuilomboAllee, um espaço de resistência, refúgio e afetividade sediado em Berlim. Por sua vez, no sábado, 27 de novembro, temos um encontro marcado com Zaika dos Santos, multiartista, pesquisadora e cientista/divulgadora científica do Afrofuturismo, África Futurismo, Afropresentismo, NFT e Ciência de Dados. Numa conversa mediada pelos curadores do Cineclube Mocambo, Zaika irá comentar os filmes em exibição, traçando alguns paralelos entre as ideias suscitadas pelas obras e o seu próprio trabalho relacionado ao tema. Bons filmes a todas, todos e todes! Que eles sirvam como faíscas para a combustão de um mundo que, por não comportar a experiência preta em sua completude, precisa explodir. (Gabriel Araújo)
Maré, hoje. O cavalo Vermelhinho, criado pelo menino Jorge, foge do curral onde descansa. Durante o filme Jorge e seus amigos cavaleiros procuram Vermelhinho pela favela em um dia comum.
Com Patrick Congo (Jorge), João Pedro (Pedro), Rafael Rodrigues (Rafa) e Rodrigo Maré Souza (Digão) Direção e roteiro: Jéferson Direção de Fotografia: Leonardo Harim Direção de arte: Cleissa Regina Direção de produção: Mariluci Nascimento Som Direto: Eduardo Falcão Assistente de direção: Caíque Mello Produção executiva: Jéferson, João Paulo Reys, Mariluci Nascimento Jéferson tem formação múltipla, incluindo Escola de Fotógrafos Populares, UCLA Extension, Nextimagem/UFRJ, graduando Ciência Política - UNIRIO. Experiência enquanto fotógrafo e diretor de fotografia (Das Nuvens Pra Baixo, Livro da Água, Favela Que Me Viu Crescer entre outros). Diretor e roteirista dos curta-metragens "[In]consciência" (Prêmio edt - Semana dos Realizadores 2018) e "Jorge" e do documentário longa-metragem “Brizolão". Nascido e sempre morador da Maré.
No caminho para encontrar com seu pai, uma mulher reflete sobre a vida. A região parece vazia durante o percurso. Lentamente, memórias de vidas passadas voltam para ela. Isso é real? Ou é apenas um sonho?
Com Anyès Noël, Alain Verspan e Ovide Carindo Direção, fotografia e montagem: Wally Fall Equipe criativa: Amandine Grange, Jean-Yves Bourgeois, Jonathan Drumeaux e Christelle Berry Figurino: Anais Verspan Imagens de drone: Jeff Fidelin Legendas em inglês: Kesewa John Arte do pôster: Claire-Laura Flamand Créditos: Audrey « Döry » Céleste Correção de cor: Yannis Sainte-Rose Wally Fall é um cineasta da Martinica. Após aprender o básico dos fundamentos da produção e edição digital de filmes, em Londres, conquistou muito de sua experiência inicial na Europa (Reino Unido e França), no Caribe e na África em programas de TV e vários projetos de vídeo, antes de trabalhar em seus próprios projetos por volta de 2013: um curta narrativo rodado em Paris e um documentário de produção própria rodado no Senegal com seu pai. Em 2016, junto com outros cineastas e profissionais do cinema, ele fundou o Cinemawon, um coletivo cinematográfico dedicado a criar novos espaços para a exibição de filmes em sua maioria esquecidos do Caribe e das diásporas africanas. De volta ao Caribe, em Guadalupe, onde vive e trabalha, divide seu tempo entre projetos pessoais ou encomendados e o trabalho coletivo com Cinemawon, que ainda está crescendo. Plowing the Stars foi filmado em Guadalupe e questiona os vários motivos que há muito tempo têm afastado os jovens da ilha, deixando uma população que é uma das mais envelhecidas do Caribe.
Voltando para casa depois de uma festa de reggae, Breno vai parar numa zona de sacrifício entre o presente, o passado e o futuro.
Com Mateus Henrique Ferreira do Nascimento, Gabriel Gadelha, Muriel Cruz Phelipe, Amanda Monteiro, Noá Bonoba, Kaye Djamilla, Anderson Marques Direção: Rafael Luan e Mike Dutra Roteiro: Rafael Luan Assistência de Direção: Adri Duarte e Jauh Ferreira Continuidade e Still: Renata Fortes Preparação de Elenco: Noa Bonoba Produção: Lia Mota, Gabi Trindade e Malu Costa Direção de fotografia: Lux Farr Assistência de Fotografia: Jorge Silvestre e Yure Juatama Direção de arte: Sam Rosa Assistência de Arte: Gio Figurino: Lyna Lurex Montagem: Gabi Trindade Trilha sonora: Briar e Mateus Fazeno Rock Som direto: Sunny Maia, Lurie, Briar Edição de som: Mike Dutra Tanto Rafael Luan quanto Mike Dutra são cineastas, cientistas sociais e mestres em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará. Ambos são também alunos da escola pública de audiovisual da Vila das Artes. No audiovisual, pesquisam as representações coletivas do homem negro no cinema brasileiro e a produção de contra-imagens sobre a subalternidade e o medo.
Em meados da década de 1990, a visionária autora afro-americana Octavia E. Butler publicou dois romances que mais tarde seriam chamados de "Parábolas". Em "A Parábola do Semeador" e "A Parábola dos Talentos", Butler conta a história de uma comunidade lutando para sobreviver ao colapso ambiental, socioeconômico e político dos EUA no século 21. Butler, que morreu em 2006, criou personagens e mundos que permanecem altamente atuais. Seus personagens complexos são viajantes do tempo de gênero fluido, sobreviventes de atrocidades, mulheres e pessoas negras. Inspirado pelas Parábolas, Octavia's Visions fala sobre temas contemporâneos de degradação ambiental, extremismo de extrema direita e libertação social. A obra poética expressa um imaginário utópico queer, um desejo de criar algo novo a partir do velho.
Com Sandra Bello, Mandhla Ndubiwa, Nancy Andler Direção, roteiro e produção: Zara Zandieh Gerenciamento de produção: Diana Paiva Supervisão de roteiro: Patricia Saad Assistência de direção: Joey Steffens Chefe de set: Lusanda Kori Direção de Fotografia: Diara Sow Assistência de câmera: Clara Rodríguez Arasanz Som: Azadeh Zandieh Gaffer: Anno Gerdes Eletricidade: Janne Ebel Design de set: Klara Mohammadi & Sarah Mounia Kachiri Figurino: Milena Kraft Maquiagem: Layana Flachs & Maiara Izabele Del Pino Cabelo: Layana Flachs Produção assistente: Nima Séne Motoristas: Mathilde Manon & Morgane Hay Fotografia de set: Fungi Phuong Tran Minh Montagem: Zara Zandieh Consultoria de pós-produção: Antonella Sarubbi Design e mixagem de som: Azadeh Zandieh Correção de cor: Claudia Maneka Maharaj Efeitos visuais, título e pôster: Caio Soares Tradução de legendas: Sofia Hamaz, Patricia Saad, Nicola Lauré al-Samarai Consultoria de produção: Ibrahim-Utku Erdogan Consultoria jurídica: Kanzlei Laaser Consultoria de arquivo: Stephen Maier Zara Zandieh (ela / dela) é uma cineasta nascida e radicada em Berlim. As histórias contadas por meio de seus projetos são dedicadas a um olhar queer descolonial que tece narrativas poéticas a partir das complexidades e representações em multicamadas de sujeitos imigrantes e marginalizados. As obras de Zara foram nomeadas para prêmios em vários festivais de cinema, incluindo Festival Internacional de Curtas Metragens de Oberhausen, BFI FLARE, EIFF, Sheffield DocFest, Queer Lisboa, Inside Out, Queer Seattle Film Fest, Berlin Art Week e DokLeipzig. Seu projeto mais recente, OCTAVIA’S VISIONS, foi recomendado para uma bolsa de pesquisa do Departamento de Cultura e Europa do Senado de Berlim em 2019. OCTAVIA’S VISIONS estreou no 67º Festival Internacional de Curtas de Oberhausen e ganhou o Prêmio ZONTA. Em 2020, a Zara recebeu uma bolsa de pesquisa da Fundação Rosa Luxemburgo para o projeto de um documentário híbrido chamado FIGHTING THIS DESPAIR WITH JOY (em desenvolvimento). Zara foi selecionada para a edição de 2021 da Berlinale Talents.