A ideia e a materialidade da morte é uma constante quando pensamos sobre a vida em comunidades majoritariamente negras. São recorrentes os exemplos. Encarceramento em massa, assassinato de uma juventude que compõe a maior parcela das vítimas de mortes violentas, apagamento histórico e cultural e, nos dois últimos anos, pandemia de um novo vírus que acarretou e acarreta no alto índice de mortes de quem é preto e de quem é pobre. Ainda assim, algo em torno da experiência de pessoas negras no Brasil e em outras partes do mundo é produzido, mesmo sob e apesar do signo da opressão. Paralelamente, isso também pode ser observado no modo como essas pessoas produzem e se relacionam com a arte, em geral, e com o cinema, em específico. E isso não é sobre essencialismo. Mas sobre entender que há uma energia como produto dessa relação paradoxal que constrói impulso mesmo diante da precariedade. Afinal, dadas as condições, era e ainda é necessário, para pessoas negras, levar a cabo seus corres da maneira mais criativa possível, cenário que muitas vezes estimula concepções e projetos promissores. Vide a capoeira, o samba e o funk - para citar alguns exemplos. Por outro lado, mesmo valendo-se de toda a potência criativa do mundo, permanece a interferência de fatores que talham ou eliminam o desenvolvimento dessas pessoas e a evolução dessas ideias. São aquelas palavras ainda tão presentes. Racismo, necropolítica, epistemicídio. Esta sessão escolhe partir da precariedade para confrontar conversas sobre a morte e elaborações possíveis a partir de registros da violência. Entretanto, também opta por não se estagnar nesse lugar e busca, com os filmes e as reflexões suscitadas por eles, perspectivas de resistência e criação frente à opressão. Algumas perguntas fizeram parte do processo de seleção dos quatro curtas que compõem a programação de abertura. Como o audiovisual pode denunciar um genocídio em curso sem cair no mero reforço de imagens de violência? De que forma cineastas fabulam sobre a morte? E como entendê-la enquanto processo de continuidade e metamorfose, a partir das contribuições de religiões e manifestações de matriz africana? O luto surge como fio condutor dos dois primeiros filmes da sessão, ambos produzidos em solo estadunidense. Enquanto death. everything. nothing. faz uma denúncia em primeira pessoa da ineficiência do Estado em prover um sistema de saúde de qualidade para sua população, T rechaça o extermínio pela via daqueles que celebram, honram e lembram os seus mortos. Diferentes registros de violência que encontram eco nas singularidades da experiência brasileira, principalmente durante a pandemia de covid-19. Lumbalú; Agonía traça uma rota à Colômbia para apresentar os rastros da cultura palenqueira de Barranquilla, como que perguntando: com o avançar do tempo, como garantir a perpetuação de tradições que são ancestrais? Por fim, voltamos ao Brasil com Gurufim na Mangueira, de Danddara, filme importante para a história do que hoje chamamos cinema negro brasileiro. Mesmo tendo sido realizado na virada do século, o curta condensa um pouco de toda a proposta da primeira sessão ao filmar o funeral pitoresco de um conhecido líder comunitário. Com a Velha Guarda da Mangueira, o filme ainda adiciona a maestria do samba como melhor ritmo para traduzir a dor, o afeto e o riso. Encerrar a primeira sessão do Cineclube Mocambo com um gurufim é também demarcar um lembrete de que estamos vivos, e de que existem possibilidades de resistência enquanto assim permanecermos. Por isso, a programação se complementa com uma conversa que será transmitida no sábado, 25 de setembro, entre o filósofo Dénètem Touam Bona e o poeta Leo Gonçalves. Em Cosmopoéticas do refúgio (Cultura e Barbárie, 2020), livro essencial para que entendêssemos a própria dimensão que buscávamos com o nome de nossa iniciativa, Dénètem lembra que não há desonra na fuga, já que ela representa uma revolta nas sombras e, consequentemente, “um processo contínuo de libertação”. Das rotas de escape de uma sociedade escravagista surgiram os primeiros mocambos, afinal. (Gabriel Araújo)
Separadas pela distância, pelo tempo e por uma pandemia, uma filha luta com a morte iminente de sua mãe.
Com Gwendolyn Manigault, Maurice Manigault, LeRhonda Manigault-Bryant Texto: “My Mother is Busy Getting Ready to Die” (New York Times, 22 de abril de 2020). Escrito e lido por LeRhonda Manigault-Bryant Supervisão e mixagem de som: Michael Betts II, a.k.a. “@kidswetar the Blaudiophile” Assistente de produção: Charity Crabtree Van Dyck, McKenna Czap ConjureGirlBlue Productions, Estados Unidos LeRhonda S. Manigault-Bryant é professora de Estudos Africanos no Williams College e fundadora da ConjureGirlBlue Productions. Após concluir sua graduação na Duke University, conquistou o grau de Master of Divinity com a Candler School of Theology na Emory University e um PhD em Religião pela Emory’s Graduate School of Arts and Sciences. Nativa orgulhosa de Moncks Corner, Carolina do Sul, Rhon navega no meio universitário como uma artista acadêmica, onde ela mescla sua vida como intelectual, música e cineasta. Ela é autora de vários livros e diretora de vários filmes, incluindo Talking to the Dead: Religion, Music, and Lived Memory among Gullah/Geechee Women (2014) e o aclamado curta documentário “death. everything. nothing” (2020). Seja investigando práticas religiosas de comunidades específicas ou explorando a produção cultural a nível popular, questões relevantes para sua pesquisa são as que revelam como os afro-americanos navegam nos processos de mercantilização cultural.
Uma equipe de filmagem acompanha três pessoas enlutadas participantes do T Ball, evento que reúne em Miami, a cada ano, pessoas que modelam camisetas e trajes customizados em homenagem aos seus mortos.
Com Koko Zauditu-Selassie, Jesus C. Mitchell, Kherby Jean Roteiro: Keisha Rae Witherspoon Produção: Monica Sorelle, Jason Fitzroy Jeffers, Faren Humes Produção executiva: Lucas Leyva, Jillian Mayer, Lauren Monzon, Ricardo Wright Direção de Fotografia: Terence Price II Montagem: Jonathan David Kane, Stefani Saintonge Direção de arte: Fred Jiménez Figurino: Mumbi O’Brien Trilha sonora original: thinkthatswilson Design de som: Joel C. Hernandez Tratamento de cor: Jeff Altman / Almost Gold A Third Horizon Production, Estados Unidos Keisha Rae Witherspoon é uma cineasta independente atualmente baseada no sul da Flórida. Seu trabalho é mobilizado pelo interesse em ciência, ficção especulativa e fantasia, assim como pela vontade de documentar as experiências às vezes invisíveis e pouco citadas da vida de povos diaspóricos. Ela anteriormente roteirizou e produziu o curta-metragem premiado Papa Machete, filme que trata da esotérica arte marcial Tire machèt, uma forma de esgrima com facões praticada no Haiti. O filme teve sua estreia mundial no TIFF 2014 e estreia norte-americana no Festival de Cinema de Sundance 2015, além de ter sido exibido em plataformas como National Geographic e The Atlantic. Ela é cofundadora da Third Horizon, coletivo de cinema caribenho baseado em Miami.
Felipa espera a morte com medo, sabendo o que acontece quando os entes queridos dos mortos não seguem as tradições fúnebres do Lumbalú de San Basilio de Palenque. A alma de seu marido agora os visita com mais frequência, e Felipa não deseja ter o mesmo destino. À medida que ela se aproxima da morte, sua filha Eva deve decidir se volta à tradição para ajudar a alma de sua mãe.
* Filme disponível apenas das 19h do dia 23/09 às 19h do dia 24/09 Com Catalina Herrera, Malka Cassiani, Rosalina Cañate, José Pérez Fotografia: Mario Prado Direção de arte: Fred Jiménez Roteiro e montagem: Jorge Pérez Trilha sonora original: Juan Sebastián Rojas Pérez Gênero: Drama Formato: Digital / Color Classificação: Livre Engee Martínez, Colômbia Jorge Pérez nasceu em Barranquilla (Colômbia) no seio de uma família de raízes palenqueiras. Após terminar a escola e seus estudos em inglês, foi admitido no programa de Cinema e Audiovisual da Universidad del Magdalena, em 2015. Em sua carreira destacou-se pelo desempenho acadêmico e pela qualidade de seu trabalho, o que o tornou digno do diploma honorífico “Cum Laude”. A passagem pela academia foi fundamental para redescobrir suas raízes palenqueiras por meio da pesquisa e aplicar o que aprendeu com a linguagem audiovisual. Essa investigação resultou em três curtas-metragens escritos, dirigidos e editados por ele: Anina (Catalina Luango), animação de 2017 que se baseia na tradição oral de Catalina Luango. Lumbalú; La Ultima Noche (2017), e seu trabalho de conclusão de curso, vencedor de diversos editais de apoio à produção audiovisual, Lumbalú; Agonía (2020). Os dois últimos são pertencentes ao seu projeto de pesquisa baseado na cosmovisão da morte na comunidade de San Basilio de Palenque e seu enfraquecimento pelas dinâmicas da colonização ocidental. Atualmente está trabalhando na finalização de seu projeto pessoal baseado no rito do Lumbalú e em um projeto de seriado para televisão na cidade de Barranquilla.
Jovem músico e líder comunitário morre subitamente. No Palácio do Samba, familiares, amigos e admiradores se reúnem para um ritual de despedida. Fatos surpreendentes acontecem nessa cerimônia única.
Com Ivo Meirelles, Thalma de Freitas, Silvio Guindanne, Heitor Martinez, Ana Luiza Rabello, Bruno Rodrigues, Darlan Cunha, Pretto de Linha. Roteiro: Danddara, Rodrigo Gueron Supervisão de roteiro: Antônio Molina Direção de produção: Mônica Behague Produção executiva: Danddara, Mônica Behague Direção de fotografia: Maurízio D’atri Montagem: Célia Freitas Direção musical: Zé Carlos Som direto: Joaquim Santana Trilha sonora (participação especial): Velha Guarda da Mangueira Direção de arte: Bernard Heimburger, Mina Quental Figurinos: Rosângela Nascimento Classificação: Livre Plural Filmes Aláfia Arts & Media Inc, Rio de Janeiro, Brasil Cinema, Literatura, Música e Artes Florestais são linguagens que DANDDARA usa para se expressar desde 1985. Nascida e criada no universo cultural do samba carioca, vive em Campinas/SP desde 2015. A carreira se desenvolveu no Rio, onde a dramaturgia do Teatro Florestal recebeu Moção Honrosa da Câmara Municipal (1990) e NOVA YORK, onde foi reconhecida como cantora e revelada como primeira mulher negra cineasta do Brasil pela HBO/USA [a história de Adélia Sampaio foi descoberta posteriormente]. Seu filme de estreia, GURUFIM NA MANGUEIRA (2000) insere a mulher negra como sujeito da cinematografia nacional. Em janeiro de 2018 seu perfil “Autoimagem de uma cineasta negra” foi publicado na revista Filme Cultura #63. Fundadora do Núcleo Criativo CINEMA DE PRETO Pro, com Paulo Lins e Luiz C. Saldanha, que desenvolve conteúdo original sobre temáticas afroameríndias.