De que forma a negritude - ou a negrura, tendo a gostar mais desse termo - delineia os contornos de nosso cotidiano? O que pressupõe ser negro? E quais experiências em comum o reconhecimento dessa identidade traz para as vidas dos diversos tons de preto que habitam não só o Brasil, violentado pelo mais longo período de escravização das Américas, como o mundo? Tentemos responder a essas perguntas para dar, em conjunto, o próximo passo. Pois, mesmo face à violência, resistimos, criamos e fabulamos existências para além da morte. Afinal, foi isso que indicamos em todas as quatro sessões anteriores do Cineclube Mocambo: possibilidades de afetação que encontrem a vida em meio ao caos, a alegria frente ao luto, o futuro livre das amarras do colonialismo. Já que sobrevivemos, então perguntamos: quais vivências criar a partir daí? Quais referências seguir? O que nos talha e o que nos impulsiona - não apenas para a frente, mas em todas as direções possíveis e desejadas? Quais presenças configuramos no presente de nossas vidas? Concebida enquanto uma programação que daria vazão à experiência queer no cinema negro, a quinta sessão do Cineclube Mocambo, Ampliar as Vivências, transformou-se quase que por acaso num conjunto de curtas que demarcavam noções de identidade. Identidades em conflito, identidades esgarçadas, identidades que ainda precisam lutar para demarcar seu lugar no mundo, identidades plenas que não cabem em normas pré-concebidas. O Túmulo da Terra, de Yhuri Cruz, exemplifica bem essa ideia. No filme, uma fábula expressionista preta, um homem sem rosto é perseguido e atormentado pela sua própria subjetividade encarnada em seus pares. Num mundo onde cada identidade parece se conformar rapidamente diante ideias pré-concebidas, assumir uma máscara sem marcações soa como uma ideia, no mínimo, corajosa. Com Heaven reaches down the earth / O paraíso desce à terra, curta sul-africano de Tebogo Malebogo, encontramos o reconhecimento a partir de uma entrega ao outro. No filme, certa magia parece habitar o acampamento montado no topo de uma montanha, longe de qualquer outra sociabilidade. Não se trata apenas de descoberta da sexualidade - e sim, talvez, das faíscas causadas pela potência de um encontro. De lá, seguimos ao Caribe para reconhecer, junto ao menino Luther, que lar nem sempre é sinônimo de liberdade. Ao trazer para a tela o cotidiano de uma Jamaica rural, pincelando os impactos da religiosidade na ilha, Mada, de Joseph Douglas-Elmhirst, evidencia como nossas possibilidades de vivência podem ser restringidas desde cedo. O faz com um signo bastante familiar a todos nós: uma boneca preta na mão de um menino negro. Por fim, com Juhlia Santos, na pré-estreia nacional de um curta produzido pelo próprio Cineclube Mocambo, assistimos de volta à tomada de protagonismo. SiM utiliza-se da instituição do matrimônio para desafiar as próprias regras estabelecidas por uma sociedade normativa. O que sugere uma travesti com um vestido de noiva? Como reforça o teaser do filme, uma possibilidade de viver um causamento. Em Crítica da Razão Negra, Achille Mbembe nos lembra que a categoria negro é uma ficção, construída para estabelecer uma diferença fundamental entre o explorador e o explorado. Que, com os filmes dessa sessão, em específico, e com a programação da primeira temporada desse Cineclube, em geral, esgarcemos as categorias dessa ficção e conquistemos as formas de garantir com que a negrura também se inspire em experiências dissidentes para a conformação de sua identidade múltipla. Boa sessão a geral! (Gabriel Araújo)
"O Túmulo da Terra" (2021), de Yhuri Cruz, é um intenso curta-metragem concebido como uma fábula expressionista preta. Inspirado no poema "O Túmulo da Terra (PRETUSI)", do diretor, o filme conta a origem da máscara de pedra Pretusi através da jornada de um homem sem rosto, que é perseguido e atormentado pela sua própria subjetividade encarnada em seus pares. O filme é a primeira produção audiovisual a integrar a pesquisa PRETOFAGIA e conta com o elenco de pretofágicos Alex Reis, Almeida da Silva, Caju Bezerra, Jade Maria Zimbra e Yhuri Cruz.
Com Almeida da Silva, Jade Maria Zimbra, Caju Bezerra, Alex Reis e Yhuri Cruz Direção, roteiro e edição: Yhuri Cruz Câmera: Clara Cavour, Yhuri Cruz e Rodrigo D'Alcântara Trilha: Julius Eastman's 'Evil Nigger' Edição de Som: Yhuri Cruz Produção: Yhuri Cruz e Alex Reis Apoio: Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Valéria Adalgiza e Antonio Carlos Yhuri Cruz é artista visual, escritor e dramaturgo. Desenvolve sua prática artística e literária a partir de criações textuais que envolvem ficções, proposições performativas – que o artista chama de cenas – e instalativas em diálogo com sistemas de poder, crítica institucional, relações de opressão, encenações de cura, resgates subjetivos e violências sociais reprimidas. Suas produções audiovisuais e performativas mais recentes tendem a se relacionar com monumentos, fabulações, performatividade das palavras e esculturas em pedra.
Depois que Tau compreende sua sexualidade, uma cascata de pensamentos e emoções é desencadeada em Tumelo – nada jamais será o mesmo entre eles.
Com Thapelo Maropefela e Sizo Mahlangu Direção: Tebogo Malebogo Produção: Petrus van Staden (Vanishing Elephant) Direção de fotografia: Jason Prins Edição: Petrus van Staden Som: Frank David Trilha: Elu Eboka, Evan S. Roth Locação: Tebogo Malebogo Tebogo Malebogo é um cineasta sul africano. Seu primeiro curta, Mthunzi (2019), estreou em Locarno e no New York Film Festival. Tebogo foi agraciado com o prêmio especial do júri no AFI Fest. Seu segundo curta, Heaven Reaches Down to Earth (2020), foi exibido no Clermont-Ferrand International Short Film Festival e no Chicago International Film Festival.
Três dias na vida de Faith, uma jovem mãe, na de sua mãe Ethel, e na de seu filho, Luther, vivendo na cultura matriarcal pós-colonial do interior da Jamaica. À medida que a narrativa avança, surge um conflito latente a partir de Luther e sua feminilidade, junto à experiência de duas mães com noções conflitantes sobre amor e proteção. Por meio do impacto de uma criança que se desvia da norma, o filme oferece uma reflexão sobre a maternidade que Faith e Ethel personificam por natureza.
Com Asoya Smith, Brenda Farmer, Xavier Alexander Keating Direção, roteiro e produção: Joseph Douglas-Elmhirst Cinematografia: Matt P. Jones Edição de som: Kevin Gilligan Cor: Laura Stayton Gerentes de produção: Maia Lafortezza, Jerome Phillips Figurino, locação e elenco: Joseph Douglas-Elmhirst, Ronnie Douglas-Elmhirst Artes gráficas: Booker Cypriano Mitchell Joseph Douglas-Elmhirst, nascido em Londres em 1998, é um cineasta inglês/jamaicano. Estudou Artes Performáticas antes de se mudar para Nova York, aos 14. Passou então a estudar Artes Visuais em Vermont. Joseph deseja contar histórias explorando sua identidade cultural jamaicana por meio de sua voz e das vozes femininas de sua família. Seu filme de conclusão de curso, Mada (Mother), foi até então selecionado para diversos festivais de cinema internacionais.
E você se casaria comigo?
Direção, concepção e produção: Juhlia Santos Imagens: Isabella Lyra Fotografia: Yan Oliveira e Mika Kaliandrea Figurino: Marina Arthuzzi Edição e montagem: Fernando Schiavon Produção: Cineclube Mocambo Apoio: Ponta de Anzol Filmes Natural da regional oeste de Belo Horizonte, Juhlia Santos é atriz, performer, jornalista, pesquisadora de gênero, agitadora cultural, produtora cultural, militante autônoma LGBTcom recorte nas causas trans e cofundadora da plataforma artística pretasT.